Encruzilhada da indignação
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- Milton Temer
- 25/08/2016
Começa o julgamento de Dilma e me confesso em situação extremamente desconfortável. Vejo-me em total abjeção ao golpe parlamentar que avança, movido pela quadrilha que hoje se aboleta no Planalto e coloca os tucanos como participantes de segunda linha, ao mesmo tempo em que não sinto o menor estímulo para defender sua vítima mais visível - Dilma Rousseff.
Sim, mais visível, mas não a principal vítima. E até mesmo, não temo afirmar, uma das principais responsáveis – junto de seu tutor referencial e a cúpula do neoPT – pelo momento dramático em que o povo trabalhador brasileiro, e sua esquerda consciente, se vê ameaçado de mergulhar.
Michel, Eliseu, Geddel, Moreira Franco, Jucá, Renan e toda a matilha que os acompanha não teriam condições de assumir o espaço protagonista de que hoje desfrutam não fosse a covardia política e a vilania ideológica que marcaram a maior parte das iniciativas do lulopragmatismo.
Prova disso? Estão aí as leis – entrega do pré-sal, antiterror, pelo ajuste fiscal antissocial, da mordaça eleitoral – com que hoje opera o governo golpista, todas propostas e sancionadas durante o governo do estelionato eleitoral de 2014, para atropelar conquistas do mundo do trabalho.
Estão aí as ausências das reformas estruturais indispensáveis que Lula e seus seguidores incondicionais abandonaram por conta da "governabilidade possível". Governabilidade essa construída nas alianças parlamentares espúrias, com verdadeiros inimigos dos programas que levaram o PT ao poder e redundaram abandonados e traídos pelo neoPT do Planalto.
Anuncia-se agora, por exemplo, a possibilidade de venda de territórios rurais a estrangeiros.
Barbaridade que o governo usurpador tenta amenizar com que? Com o estabelecimento de regulamentação que garanta a destinação de 10% das terras surrupiadas à soberania nacional a uma Reforma Agrária!
A cúpula do MST fica nos devendo uma avaliação da sua opção pela defesa exclusiva do Bolsa Família e das cestas básicas para os acampamentos que continuaram à beira da estrada, sem poder disputar a posse das terras que produziriam seus próprios meios de sobrevivência.
Estão aí as ausências de reformas estruturais que Lula e seu séquito não concretizaram por conta de não gerar conflitos no "pacto conservador de alta intensidade" que realizaram com o grande capital especulativo, urbano e rural.
Cadê a democratização dos meios de comunicação, a fim de que operassem por meio de concessões de serviços públicos - rádio e TV? Tivesse sido concretizada e muito do que a mídia reacionária conseguiu para levar o senso comum imbecilizado a apoiar o impeachment teria sido neutralizado.
Cadê o estabelecimento de um severo critério de progressividade numa democrática Reforma Tributária (que cobrasse dos que mais ganham para aliviar os que mais precisam e estão entre os que mais trabalham e hoje contribuem majoritariamente com a Receita)?
Era parte do programa que o saudoso PT defendeu nas suas décadas de heroica oposição, ainda que neutralizado pelas acomodações que justificassem a chegada ao poder, pelo simples interesse de ali distribuir postos e altos salários a "incondicionais" do projeto. Eram tempos de “Lulinha paz e amor” com o capitalismo predador.
A esquerda outrora combativa e até revolucionária que optou por permanecer na "disputa interna" e terminou dando cobertura a tais omissões também tem o que nos explicar, antes de exigir qualquer solidariedade a um inoportuno e intempestivo "Fica Dilma".
Não vou me estender no que falta com respeito à Reforma Política e à democratização do controle das empresas públicas entregues a quadros "de confiança" que nelas se locupletaram pessoalmente. Nem preciso recordar o prestígio dado a figuras abjetas como Vaccareza (ou vaccabundo, hoje filiado à campanha de Russomano?), André Vargas, Zés-da-cueca? Nem vou me referir aos oportunistas, tipo Marta Suplicy, sempre prestigiados por aqueles a quem não hesitaram trair na hora em que a cobra começou a fumar.
Apenas tento me explicar pela absoluta dicotomia em que essa sucessão de traições colocou no plano nacional de combate ao impeachment.
No entanto, reafirmamos que, a despeito desse pântano suicida em que a esquerda foi colocada, uma esperança se renova. Está aí a campanha eleitoral pelas prefeituras.
E nas principais capitais um valor novo e mais alto se "alevanta" - Freixo, Erundina, Luciana, Edmilson, Robério, Edilson -, a mostrar que há sangue nas veias de quem não se vendeu nem se rendeu.
Luta que segue! Portanto, sem arrefecer.
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Milton Temer é jornalista e ex-deputado federal pelo PT entre 1998 e 2006.