Correio da Cidadania

Alimento saudável versus produção mercantil do agronegócio

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Em geral, nos artigos de conjuntura analisamos fatos e situações devidamente contextualizados. Neste, o objeto principal são duas graves omissões ao conhecimento público que abordaremos, na expectativa de contribuir em algo para superá-las.

 

Duas questões de utilidade pública e forte interesse social estão no momento merecendo vir à tona, relacionadas à produção e consumo de alimentos oriundos da agricultura e das cadeias agroindustriais conexas.

 

No primeiro caso, restrito ao Brasil, indagaríamos à ANVISA por que desapareceram do seu ‘site’, desde julho de 2012, as pesquisas semestrais que realizava sobre contaminação por agrotóxicos de frutas e verduras, em praticamente todos os estados do país.

 

A pesquisa, realizada com a maior seriedade técnica, com base em amostras de varejo de cerca de 20 produtos – frutas e verduras de largo consumo da população –, por três laboratórios independentes em cada estado pesquisado, orientavam o consumidor para os riscos de contaminação de determinados alimentos. Mas foram suspensas, não renovadas e as que hoje ainda estão na ‘internet’ referem-se a amostras coletadas entre 2010 e 2012.

 

O leitor deve indagar o porquê de tal omissão, quando se trata de informação da maior relevância aos direitos de cidadania e mais especificamente à liberdade de informação, dos quais o cidadão é o principal titular. Há notícias variadas sobre pressões de vários segmentos ruralistas e um resultado nada satisfatório – silêncio obsequioso da ANVISA e nenhuma denúncia ou investigação da situação pela grande imprensa, que antes noticiava até com certo sensacionalismo essas informações de contaminação dos alimentos.

 

Ora, se alimentos ‘in natura’ já não são confiáveis em pouco mais de 1/3 das amostras levantadas nessa pesquisa, poderíamos confiar plenamente nos alimentos que saem da indústria alimentar? Esta segunda indagação tem sido objeto de preocupação, não só no Brasil, como no mundo inteiro, dos órgãos de saúde pública, especialmente da Organização Mundial de Saúde.

 

Alertam-nos para o relativo descontrole da indústria, seja por razões técnicas, seja por estratégia mercantil, para o uso excessivo de sal, açúcar, gorduras e conservantes, adicionados invisivelmente aos bens de consumo de massa. Esses aditivos estariam na linha de causalidade de várias doenças crônico-degenerativas que afetam a saúde pública (renais, circulatórias, hepáticas, pulmonares etc.) e que são atribuídas aos hábitos alimentares induzidos pelo sistema agroindustrial.

 

O grave da situação de omissão a que estamos nos reportando é o fato de que há um regime alimentar sendo vendido em prosa e verso como de grande modernidade e liderança do Brasil em várias cadeias agroindustriais (carnes, açúcares, rações etc.), mas não se detém um controle público e uma informação transparente sobre as consequências dos alimentos consumidos sobre a vida das pessoas

 

É muito forte a suspeita de captura político-ideológica, seja dos órgãos reguladores sobre a produção primária – Defesa Sanitária (Ministério da Agricultura) e ANVISA (Ministério da Saúde) –, seja de parte da mídia, pelas pressões dos complexos agroindustriais. E sem a restituição ao Estado e à imprensa, respectivamente, o exercício de uma efetiva função de regulação e da informação sobre assuntos de alto interesse da esfera pública, não se avançará sobre a produção dos alimentos saudáveis no Brasil.

 

De imediato, cabe uma palavra de esclarecimento da ANVISA sobre as razões de ter deixado de produzir matéria de alto interesse à segurança alimentar da população, como vinha fazendo há alguns anos. E sobre o consumo de alimentos industrializados, tudo o que sabemos é muito precário. Afinal, não se pode onerar ainda mais o indivíduo com toda a responsabilidade sobre a própria saúde, desonerando o Estado de uma firme função regulatória e as mídias do legítimo exercício da liberdade de imprensa sobre questões de alta utilidade pública.

 

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Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

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