Correio da Cidadania

Marçal, o vale tudo eleitoral e a falsificação de laudo médico

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Como uma es­pécie de vale tudo para tentar al­cançar o se­gundo turno nas Elei­ções da ci­dade de São Paulo, o can­di­dato Pablo Marçal e sua equipe pos­taram nas redes so­ciais um do­cu­mento fal­si­fi­cado, na noite de ontem, 4, des­cre­vendo um aten­di­mento mé­dico em que o seu opo­sitor Gui­lherme Boulos es­taria “com um quadro de surto psi­có­tico grave, em de­lírio per­se­cu­tório e ideias ho­mi­cidas” e ligou o fato ao uso de co­caína.

A cam­panha de Pablo Marçal passou de todos os li­mites mo­rais, éticos, ju­rí­dicos e po­lí­ticos ao uti­lizar um do­cu­mento formal e ma­te­ri­al­mente falso, que aponta, ar­di­lo­sa­mente, que Boulos teria sido in­ter­nado por uso de co­caína. “Oriundo dos es­gotos da­quilo que existe de mais sór­dido na in­ternet, Pablo Hen­rique da Costa Marçal trouxe para o pro­cesso elei­toral pau­lista a ma­te­ri­a­li­zação das prá­ticas ir­res­pon­sá­veis e de­li­tu­osas que são a marca de sua vida pri­vada", diz a no­tícia-crime de Boulos.

Con­forme apu­rado pelos meios de co­mu­ni­cação, o laudo falso é as­si­nado pelo mé­dico Jose Ro­berto de Souza. Uma con­sulta ao Con­selho Fe­deral de Me­di­cina (CFM) mostra que o mé­dico, que era or­to­pe­dista, já morreu. O RG de Boulos que apa­rece no pron­tuário está in­cor­reto, com um nú­mero a mais. O mais grave, é que a as­si­na­tura atri­buída ao mé­dico di­fere da que apa­rece em um do­cu­mento ju­di­cial. O dono da clí­nica, Luiz Tei­xeira da Silva Ju­nior, já foi con­de­nado por fal­si­ficar di­ploma de Me­di­cina.

Caso seja con­fir­mado o que a im­prensa, unís­sona, tem apon­tado, Pablo Marçal co­meteu crime pre­visto no ar­tigo 304 do Có­digo Penal bra­si­leiro. O ar­tigo prevê que "fazer uso de qual­quer dos pa­péis fal­si­fi­cados ou al­te­rados, a que se re­ferem os ar­tigos 297 a 302", o que su­jeita o autor às mesmas penas co­mi­nadas à fal­si­fi­cação ou al­te­ração. Isso sig­ni­fica que a pe­na­li­dade para o uso de do­cu­mento falso é equi­va­lente àquela pre­vista para a fal­si­fi­cação do pró­prio do­cu­mento, ou seja, pena de re­clusão de um a cinco anos e multa.

No en­tanto, para que haja a con­fi­gu­ração do crime, é ne­ces­sário que o agente tenha cons­ci­ência de que o do­cu­mento é falso e a von­tade de uti­lizá-lo como se fosse ver­da­deiro. Tudo in­dica, con­si­de­rando o his­tó­rico du­rante a cam­panha, que Marçal teria cons­ci­ência da fal­si­dade do laudo que apre­sentou.

Um ponto im­por­tante a se des­tacar, em que pese o tipo penal, para a sua con­fron­tação, de exija que o uso do do­cu­mento cause efe­ti­va­mente um pre­juízo, é ne­ces­sário que o autor tenha o dolo, ou seja, a in­tenção de obter al­guma van­tagem in­de­vida ou de causar dano é um ele­mento que ge­ral­mente está pre­sente.

Não há dú­vida al­guma que a cam­panha de Marçal ob­je­ti­vava impor pre­juízo elei­toral ao can­di­dato Gui­lherme Boulos com a di­vul­gação do do­cu­mento falso. Es­pe­ci­al­mente de­pois que Boulos apre­sentou exame to­xi­co­ló­gico no de­bate re­a­li­zado na quinta-feira (3), des­men­tindo as in­si­nu­a­ções de Marçal de que era usuário de co­caína. Marçal não quis sair, mais uma vez, com a pecha de men­ti­roso con­tumaz e lançou mão de um do­cu­mento, que tudo in­dica, formal e ma­te­ri­al­mente falso.

Até o pastor Silas Ma­la­faia, um dos mai­ores re­pre­sen­tantes do con­ser­va­do­rismo bra­si­leiro, nas redes so­ciais, disse que "esse ban­dido tem que ser preso". E se­guiu: "O psi­co­pata do Pablo Marçal for­jando do­cu­mento contra Boulos para dizer que ele é de­pen­dente de drogas. Inad­mis­sível! Não é porque Boulos é o nosso ini­migo po­lí­tico que vamos aceitar uma farsa dessa".

En­tre­tanto, Marçal apa­ren­te­mente pensa di­fe­rente em re­lação ao trato com o “ini­migo” po­lí­tico, apro­xi­mando-se muito do que Po­le­marco, em diá­logo com Só­crates, afirmou que fazer jus­tiça é be­ne­fi­ciar os amigos. Só­crates, não se con­for­mando com o en­ten­di­mento de Po­le­marco, o ques­tiona: "Mas e quanto aos ini­migos? De­vemos dar a eles tudo o que lhes é de­vido?" Po­le­marco res­pondeu: "E in­dis­cu­tível", res­pondeu [em um tom li­gei­ra­mente ir­ri­tado], "a meu ver, o que ini­migos devem entre si é pro­pri­a­mente e exa­ta­mente um mal... algo da­noso."

Vale tudo para al­cançar ob­je­tivos elei­to­rais, in­clu­sive uti­lizar se ex­pe­di­ente cri­mi­noso para pre­ju­dicar seu ad­ver­sário po­lí­tico? Apa­ren­te­mente essa é a ideia de Marçal: aos ini­migos tudo que lhe possa causar algum dano. Isso é moral, ético e es­pe­ci­al­mente cristão? É isso que que­remos para a maior ci­dade da Amé­rica La­tina? O que ele seria capaz de fazer para se manter no poder? Oxalá, os pau­lis­tanos te­nham cui­dado e cons­ci­ência du­rante o voto.

Mar­celo Aith é ad­vo­gado cri­mi­na­lista, dou­to­rando em Es­tado de De­recho y Go­ber­nanza Global pela Uni­ver­sidad de Sa­la­manca (ESP) e Mestre em Di­reito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Ma­gister (LL.M) em Di­reito Penal Econô­mico pelo Ins­ti­tuto Bra­si­leiro de En­sino e Pes­quisa – IDP e es­pe­ci­a­lista em Blan­queo de Ca­pi­tales pela Uni­ver­sidad de Sa­la­manca.

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