Correio da Cidadania

Reforma tributária: matéria gasosa

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A adoção de uma sis­te­má­tica de não-cu­mu­la­ti­vi­dade nos tri­butos mul­ti­fá­sicos no país tem tido um de­sen­vol­vi­mento ir­re­gular. Te­o­ri­ca­mente, o ra­ci­onal é que se evite a in­ci­dência do pró­prio tri­buto sobre si mesmo. Daí se pro­clamar a su­pe­ri­o­ri­dade da não-cu­mu­la­ti­vi­dade sobre a tri­bu­tação em cas­cata, cuja ca­rac­te­rís­tica é a de ex­po­nen­ciar a carga tri­bu­tária pela su­per­po­sição de in­ci­dên­cias, ape­nando, pelo me­ca­nismo da trans­fe­rência de carga tri­bu­tária, o con­su­midor final. Este o pa­de­cente, ví­tima de nosso sis­tema tri­bu­tário tão anár­quico, que fico em dú­vida de con­si­derá-lo sis­tema. Falta-lhe a ar­ti­cu­lação, a in­te­gração e a har­monia entre as mo­da­li­dades de tri­butos que o com­põem. Está a ca­mi­nhar para a con­fi­gu­ração de um con­junto de­sor­ga­ni­zado de tri­butos.

Du­rante anos houve clamor contra a forma de in­ci­dência cu­mu­la­tiva da con­tri­buição para o PIS e da con­tri­buição sobre o fa­tu­ra­mento e a re­ceita das em­presas. Efe­ti­va­mente, tri­butar-se o fa­tu­ra­mento, en­ten­dido como a re­ceita bruta das em­presas, re­pre­senta um exa­gero ar­re­ca­da­tório de ele­vada mor­ta­li­dade. Con­dena à morte, a médio prazo, as em­presas que não pro­duzem lu­cros, agra­vando a sua si­tu­ação di­fi­cul­tosa.

Re­solveu-se então adotar a não-cu­mu­la­ti­vi­dade. Ela veio de forma mista, man­tendo-se parte do uni­verso em­pre­sa­rial sub­me­tida à cu­mu­la­ti­vi­dade e outra parte à não-cu­mu­la­ti­vi­dade. Afora essa dis­torção dis­cri­mi­na­tória, houve au­mento das alí­quotas do PIS (de 0,75% passou para 1,65%) e da CO­FINS (de 3% pulou para 7,6%). Disso re­sultou uma imensa ele­vação da ar­re­ca­dação, one­rando as em­presas que fi­caram sub­me­tidas à não-cu­mu­la­ti­vi­dade.

No setor ao qual se aplicou a não-cu­mu­la­ti­vi­dade, a forma de cal­culá-la foi a de base contra base, dis­tinta da pre­vista para o IPI e ICMS, que é a do im­posto exis­tente na fase an­te­rior cons­ti­tuir cré­dito contra o im­posto da fase atual. Para de­ter­mi­nadas des­pesas, en­cargos e gastos - pre­vistos de forma res­trita -, au­to­rizou-se con­fi­gurar cré­dito para a apu­ração do tri­buto de­vido.

A pro­posta cons­ti­tu­ci­onal de re­forma tri­bu­tária do go­verno Lula ex­tingue a con­tri­buição para o PIS, a CO­FINS e a CIDE dos com­bus­tí­veis, pre­vendo um im­posto para subs­tituí-los, que vai in­cidir sobre a pres­tação de ser­viços e a cir­cu­lação de bens. Trata-se de abran­gência am­plís­sima. E se prevê que ela será não-cu­mu­la­tiva, por ca­rac­te­rís­tica cons­tante da Cons­ti­tuição. Aí é que vai o porém. Não se es­cla­rece como será essa não-cu­mu­la­ti­vi­dade. Pior, se lhe dá um ape­lido de im­posto sobre o valor agre­gado. Mero ape­lido, pois essa não é a de­no­mi­nação ofi­cial, já que consta apenas da ex­po­sição de mo­tivos en­ca­mi­nha­dora da Pro­posta de Emenda Cons­ti­tu­ci­onal nº233/08.

Fico em dú­vida de clas­si­ficar esse ex­pe­di­ente. Seria uma forma en­ver­go­nhada de apre­sentar esse im­posto ou uma forma ver­go­nhosa de en­ganar a pla­téia, com uma de­no­mi­nação mo­der­nosa para iludir os trouxas.

De qual­quer modo, ro­tula-se en­ga­no­sa­mente o pro­duto e se usa o velho ex­pe­di­ente de em­purrar com a bar­riga a real de­fi­nição para o fu­turo. A questão é que a bar­riga está in­flada de gases, que ex­pe­lidos já dão no­tícia da ma­téria que os está pro­du­zindo.

Osiris de Aze­vedo Lopes Filho é ad­vo­gado, pro­fessor de Di­reito na Uni­ver­si­dade de Bra­sília (UnB) e ex-se­cre­tário da Re­ceita Fe­deral.

E-mail: osi­ris­filho@​aze​vedo​lope​s.​adv.​br

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