Para Folha de S. Paulo, regime militar no Brasil foi "ditabranda"
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- Renato Godoy de Toledo, Brasil de Fato
- 25/02/2009
Em editorial no dia 17 de fevereiro, o jornal paulista Folha de S. Paulo criticou a vitória do "Sim" no referendo na Venezuela, que permite a reeleição ilimitada de políticos em cargos eletivos naquele país. A oposição do jornal ao mandatário venezuelano não foi surpresa, já que todos os meios da chamada grande imprensa seguem essa postura. No entanto, ao comparar o processo venezuelano com as ditaduras militares latino-americanas, a Folha criou um neologismo que causou indignação entre representantes da sociedade civil.
Para o jornal controlado pela família Frias, o regime militar brasileiro foi uma "ditabranda". O editorial afirma que as ditaduras brasileiras percorreram o caminho inverso dos atuais presidentes de esquerda da América Latina. Enquanto os militares romperam com a institucionalidade democrática e "implantavam formas controladas de disputa política", os novos "autoritários" "minam os controles democráticos por dentro". Vale lembrar que Chávez, em 10 anos de poder, disputou 15 eleições, venceu 14, sendo uma delas proposta por ele mesmo para que o eleitorado decidisse sobre sua continuidade, em 2004. Todos os processos foram acompanhados por observadores internacionais.
Indignação
A opinião do diário causou indignação entre alguns leitores. No dia 19 de fevereiro, o leitor Sérgio Pinheiro Lopes teve sua carta publicada na Folha. Para ele, a atitude da publicação é "um tapa na cara da história da nação e uma vergonha para este diário". A redação respondeu: "Na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional".
No dia seguinte, mais cinco cartas foram publicadas sobre o tema. Apenas um militar reformado defendeu o jornal. Entre os críticos do editorial, estavam o jurista Fábio Konder Comparato e a cientista política Maria Victoria Benevides, que foram ofendidos pela nota da redação: "A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa".
Reação
O professor de direito da Universidade de São Paulo, Fábio Konder Comparato, analisa o caso para saber qual a providência deve tomar. "A primeira medida que eu tomei foi cancelar a assinatura do jornal, porque um jornal que se preza não pode ter como assinante um cínico e mentiroso. De resto, estou analisando o caso para ver se cabe uma ação judicial (contra o diário)", afirmou.
Para o jurista, o caso é sintomático. "Acho que é a primeira vez que um jornal usa essa expressão de muito mal gosto (‘ditabranda’). Em um momento em que se discute a anistia aos assassinos, estupradores e torturadores, a postura do jornal vai ser avaliada", acredita.
Maria Victoria Benevides também considera que a reação do jornal é uma contra-ofensiva ao movimento que debate a anistia a torturadores da ditadura. "Todo esse descontrole da Folha de S. Paulo, que passa do nível do irracionalismo e da indecência, se deve a uma reação contra uma campanha, na qual o professor Fábio e eu estamos envolvidos, de discutir a anistia aos torturadores, que visa questionar vários pontos do regime militar que tem sido tratado no velho estilo da conciliação brasileira", analisa.
Tal como Comparato, Benevides cancelou a assinatura do jornal e afirma que não irá mais escrever artigos ou conceder entrevistas ao periódico. Ela diz ter recebido dezenas de mensagens de solidariedade de ex-alunos e intelectuais, muitos dos quais afirmam ter cancelado a assinatura do jornal.
Benevides afirma que irá acompanhar o desdobramento judicial do caso ao lado de Comparato. "Eu tenho total confiança no professor Comparato e no seu saber jurídico. Vou acompanhar a decisão dele. No momento, temos que esperar um pouco, porque é uma época muito difícil de mobilizar as pessoas, por ser carnaval", afirma.
O fato de a publicação ter aceitado a crítica de outros leitores, mas rechaçado a de Comparato e Benevides, é motivado por questões estritamente políticas, segundo ela. "O jornal está comprometido com outra proposta eleitoral, outro tipo de governo. Eles querem uma aliança com a política mais tradicional, oligárquica, ligado ao neoliberalismo e está sentindo a ameaça que pode ser a candidatura da Dilma Rousseff", avalia.
A professora também critica a forma como a empresa identificou o autor das respostas. "Normalmente, a Folha publica no painel do leitor a resposta do autor da matéria. Mas dessa vez assinava como ‘da Redação’. Quem é a redação? O dono do jornal? O conselho editorial? Tenho certeza que no conselho editorial, o Jânio de Freitas e o Marcelo Coelho (colunistas do jornal), não escreveriam esses insultos", pontua.
Colaboração na ditadura
De acordo com a cientista política, o editorial da Folha e a sua reação frente às críticas, fizeram com que muitos lembrassem do papel da empresa durante o regime militar. "Entre as mensagens que tenho recebido, muitos estão ressaltando o fato de que a Folha da Manhã emprestava seus furgões à repressão para transportar presos e torturados", assinala.