Correio da Cidadania

Para Folha de S. Paulo, regime militar no Brasil foi "ditabranda"

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Em edi­to­rial no dia 17 de fe­ve­reiro, o jornal pau­lista Folha de S. Paulo cri­ticou a vi­tória do "Sim" no re­fe­rendo na Ve­ne­zuela, que per­mite a re­e­leição ili­mi­tada de po­lí­ticos em cargos ele­tivos na­quele país. A opo­sição do jornal ao man­da­tário ve­ne­zu­e­lano não foi sur­presa, já que todos os meios da cha­mada grande im­prensa se­guem essa pos­tura. No en­tanto, ao com­parar o pro­cesso ve­ne­zu­e­lano com as di­ta­duras mi­li­tares la­tino-ame­ri­canas, a Folha criou um ne­o­lo­gismo que causou in­dig­nação entre re­pre­sen­tantes da so­ci­e­dade civil.

Para o jornal con­tro­lado pela fa­mília Frias, o re­gime mi­litar bra­si­leiro foi uma "di­ta­branda". O edi­to­rial afirma que as di­ta­duras bra­si­leiras per­cor­reram o ca­minho in­verso dos atuais pre­si­dentes de es­querda da Amé­rica La­tina. En­quanto os mi­li­tares rom­peram com a ins­ti­tu­ci­o­na­li­dade de­mo­crá­tica e "im­plan­tavam formas con­tro­ladas de dis­puta po­lí­tica", os novos "au­to­ri­tá­rios" "minam os con­troles de­mo­crá­ticos por dentro". Vale lem­brar que Chávez, em 10 anos de poder, dis­putou 15 elei­ções, venceu 14, sendo uma delas pro­posta por ele mesmo para que o elei­to­rado de­ci­disse sobre sua con­ti­nui­dade, em 2004. Todos os pro­cessos foram acom­pa­nhados por ob­ser­va­dores in­ter­na­ci­o­nais.

In­dig­nação

A opi­nião do diário causou in­dig­nação entre al­guns lei­tores. No dia 19 de fe­ve­reiro, o leitor Sérgio Pi­nheiro Lopes teve sua carta pu­bli­cada na Folha. Para ele, a ati­tude da pu­bli­cação é "um tapa na cara da his­tória da nação e uma ver­gonha para este diário". A re­dação res­pondeu: "Na com­pa­ração com ou­tros re­gimes ins­ta­lados na re­gião no pe­ríodo, a di­ta­dura bra­si­leira apre­sentou ní­veis baixos de vi­o­lência po­lí­tica e ins­ti­tu­ci­onal".

No dia se­guinte, mais cinco cartas foram pu­bli­cadas sobre o tema. Apenas um mi­litar re­for­mado de­fendeu o jornal. Entre os crí­ticos do edi­to­rial, es­tavam o ju­rista Fábio Konder Com­pa­rato e a ci­en­tista po­lí­tica Maria Vic­toria Be­ne­vides, que foram ofen­didos pela nota da re­dação: "A Folha res­peita a opi­nião de lei­tores que dis­cordam da qua­li­fi­cação apli­cada em edi­to­rial ao re­gime mi­litar bra­si­leiro e pu­blica al­gumas dessas ma­ni­fes­ta­ções acima. Quanto aos pro­fes­sores Com­pa­rato e Be­ne­vides, fi­guras pú­blicas que até hoje não ex­pres­saram re­púdio a di­ta­duras de es­querda, como aquela ainda vi­gente em Cuba, sua ‘in­dig­nação’ é ob­vi­a­mente cí­nica e men­ti­rosa".

Re­ação

O pro­fessor de di­reito da Uni­ver­si­dade de São Paulo, Fábio Konder Com­pa­rato, ana­lisa o caso para saber qual a pro­vi­dência deve tomar. "A pri­meira me­dida que eu tomei foi can­celar a as­si­na­tura do jornal, porque um jornal que se preza não pode ter como as­si­nante um cí­nico e men­ti­roso. De resto, estou ana­li­sando o caso para ver se cabe uma ação ju­di­cial (contra o diário)", afirmou.

Para o ju­rista, o caso é sin­to­má­tico. "Acho que é a pri­meira vez que um jornal usa essa ex­pressão de muito mal gosto (‘di­ta­branda’). Em um mo­mento em que se dis­cute a anistia aos as­sas­sinos, es­tu­pra­dores e tor­tu­ra­dores, a pos­tura do jornal vai ser ava­liada", acre­dita.

Maria Vic­toria Be­ne­vides também con­si­dera que a re­ação do jornal é uma contra-ofen­siva ao mo­vi­mento que de­bate a anistia a tor­tu­ra­dores da di­ta­dura. "Todo esse des­con­trole da Folha de S. Paulo, que passa do nível do ir­ra­ci­o­na­lismo e da in­de­cência, se deve a uma re­ação contra uma cam­panha, na qual o pro­fessor Fábio e eu es­tamos en­vol­vidos, de dis­cutir a anistia aos tor­tu­ra­dores, que visa ques­ti­onar vá­rios pontos do re­gime mi­litar que tem sido tra­tado no velho es­tilo da con­ci­li­ação bra­si­leira", ana­lisa.

Tal como Com­pa­rato, Be­ne­vides can­celou a as­si­na­tura do jornal e afirma que não irá mais es­crever ar­tigos ou con­ceder en­tre­vistas ao pe­rió­dico. Ela diz ter re­ce­bido de­zenas de men­sa­gens de so­li­da­ri­e­dade de ex-alunos e in­te­lec­tuais, muitos dos quais afirmam ter can­ce­lado a as­si­na­tura do jornal.

Be­ne­vides afirma que irá acom­pa­nhar o des­do­bra­mento ju­di­cial do caso ao lado de Com­pa­rato. "Eu tenho total con­fi­ança no pro­fessor Com­pa­rato e no seu saber ju­rí­dico. Vou acom­pa­nhar a de­cisão dele. No mo­mento, temos que es­perar um pouco, porque é uma época muito di­fícil de mo­bi­lizar as pes­soas, por ser car­naval", afirma.

O fato de a pu­bli­cação ter acei­tado a crí­tica de ou­tros lei­tores, mas re­cha­çado a de Com­pa­rato e Be­ne­vides, é mo­ti­vado por ques­tões es­tri­ta­mente po­lí­ticas, se­gundo ela. "O jornal está com­pro­me­tido com outra pro­posta elei­toral, outro tipo de go­verno. Eles querem uma ali­ança com a po­lí­tica mais tra­di­ci­onal, oli­gár­quica, li­gado ao ne­o­li­be­ra­lismo e está sen­tindo a ameaça que pode ser a can­di­da­tura da Dilma Rous­seff", avalia.

A pro­fes­sora também cri­tica a forma como a em­presa iden­ti­ficou o autor das res­postas. "Nor­mal­mente, a Folha pu­blica no painel do leitor a res­posta do autor da ma­téria. Mas dessa vez as­si­nava como ‘da Re­dação’. Quem é a re­dação? O dono do jornal? O con­selho edi­to­rial? Tenho cer­teza que no con­selho edi­to­rial, o Jânio de Freitas e o Mar­celo Co­elho (co­lu­nistas do jornal), não es­cre­ve­riam esses in­sultos", pontua.

Co­la­bo­ração na di­ta­dura

De acordo com a ci­en­tista po­lí­tica, o edi­to­rial da Folha e a sua re­ação frente às crí­ticas, fi­zeram com que muitos lem­brassem do papel da em­presa du­rante o re­gime mi­litar. "Entre as men­sa­gens que tenho re­ce­bido, muitos estão res­sal­tando o fato de que a Folha da Manhã em­pres­tava seus fur­gões à re­pressão para trans­portar presos e tor­tu­rados", as­si­nala.

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