Correio da Cidadania

Soldados colombianos matam 11 camponeses e indígenas; “crime de guerra”, afirma Petro

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"Não se conseguiu neutralizar, senhor presidente Duque, houve um assassinato. Não eram 11 membros da guerrilha das FARC, eram camponeses desarmados e civis indígenas, inclusive crianças. É um crime de guerra do seu governo", sentenciou o senador Gustavo Petro, candidato à presidência da Colômbia pelo Pacto Histórico, condenando o massacre perpetrado no dia 28 de março no município de Puerto Leguízamo, em Putumayo.

Tanto Duque como o ministro da Defesa, Diego Molano, haviam anunciado que as operações da Força Pública "neutralizaram 11 membros de dissidentes das FARC e capturaram mais quatro criminosos em Puerto Leguízamo".

De acordo com Petro, há milhares de “falsos positivos”, como são chamadas na Colômbia as execuções extrajudiciais de civis em mãos de militares, e esta foi mais uma delas. “No meu governo os ‘falsos positivos’ acabarão de uma vez por todas”, enfatizou o oposicionista, que lidera com folga todas as pesquisas de intenção de voto.

Segundo a comunidade no povoado fronteiriço com o Equador, o ataque dos militares ocorreu quando um grupo de camponeses e indígenas realizava uma feira coletando fundos para consertar as estradas da aldeia El Remanso. "Houve uma emboscada do Exército Nacional, que começou a disparar contra a população civil", sublinhou José Homero, presidente da Organização Zonal Indígena do Putumayo (OZIP), esclarecendo que eram pessoas que estavam reunidas com a comunidade para arrecadar dinheiro para as obras. “Mas aí os soldados chegaram, atiraram indiscriminadamente e os mataram”, reforçou um dos denunciantes à Blu Radio, desmentindo os supostos “êxitos militares” anunciados por Duque e pelo ministro da Defesa.

Líderes executados

A Ouvidoria confirmou que entre os mortos havia várias lideranças como o governador do povoado indígena de El Bajo Remanso, Pablo Panduro Coquinche; o presidente da Junta de Ação Comunitária, Divier Hernández, e sua esposa, Ana María Sarria; e Brayan Pama, de 16 anos. Os demais nomes não foram divulgados.

“Eu estava com Divier, meu filho, até cerca de 15 minutos antes do massacre e ele me ofereceu comida. Era um festival que durava vários dias e havia gente dançando e bebendo. Me despedi, fui para a fazenda e quando cheguei ouvi as bombas”, disse Argemiro Hernández, ao jornal El País, horas depois do funeral. “Eu imediatamente peguei o barco e voltei pelo rio, mas o Exército já nos impediu de passar. Eles tinham mais de 60 pessoas detidas na praça", relatou.

Argemiro Hernández recorda que, após quase oito horas de espera, se rebelou contra os soldados e foi até o local onde estava seu filho. “Consegui vê-lo morto e o abracei. Ele tinha tiros de misericórdia no rosto, como se fosse dissidente da guerrilha”, denunciou. O senhor informou que um vizinho que foi salvo ao pular no rio tentou ajudar a esposa de Divier, também atingida pelos disparos. “Ela professava uma religião e carregava a Bíblia na bolsa.
Mas, em vez disso, eles colocaram um rádio comunicador nela”, disse.

Para dar sustentação ao seu teatro, o Exército colombiano espalhou um verdadeiro “arsenal” pela aldeia e alegou ter apreendido granadas, fuzis, cartuchos, entre outros equipamentos bélicos.

O 28º massacre ocorrido neste ano no país, que soma 94 vítimas civis, fez com que diferentes organismos e entidades nacionais e internacionais de direitos humanos como o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz) se pronunciassem e exigissem um basta à política de extermínio. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Ouvidoria também se manifestaram, solicitando da presidência um “esclarecimento” da operação, apresentada pelo governo como uma “conquista” da sua política de segurança.

Plano Colômbia

Doutor em Sociologia Política, o professor colombiano Mauricio Avilez Alvarez explica que está em vigência a continuidade do “Plano Colômbia, com o qual o governo dos Estados Unidos teoricamente enviava recursos para combater o narcotráfico, mas que era para ser usado no enfrentamento à oposição da guerrilha”. “Com a prática macabra dos chamados falsos positivos, dos generais aos soldados se adotou medir as ações e resultados em litros de sangue, como diziam seus comandantes. Isso se mantém e intensifica no governo Duque, que reativa a lógica da guerra e do medo, tentando tornar o povo seu refém”, apontou o professor.

A Rede Camponesa de Direitos Humanos do Putumayo alertou haver pessoas desaparecidas e que o abandono de vários habitantes da aldeia é movido "pela preocupação e medo". Além disso, a Rede conclamou à solidariedade para que seja garantida uma profunda investigação e defendeu “o direito da comunidade ser escutada e acompanhada, para que os fatos sejam devidamente esclarecidos".

Todos os relatos das testemunhas coincidem que eram militares camuflados de preto que deram tiros à queima-roupa, deixando armas colocadas próximas aos corpos das vítimas, costume idêntico ao dos falsos positivos. Apresentadas ilegalmente pelo Estado como “baixas do conflito”, essa prática deixou pelo menos 6.402 civis mortos entre 2002 e 2008 no país, conforme documentou a Jurisdição Especial para a Paz (JEO).

Leonardo Wexell Severo é jornalista, especialista em Relações Internacionais e colaborador do Correio da Cidadania.

 

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